Dermatomiosite, polimiosite e outras miopatias inflamatórias
- Gustavo Pafume de Sá
- 21 de set. de 2021
- 7 min de leitura

1. O que são miopatias autoimunes sistêmicas ou miopatias inflamatórias idiopáticas?
São doenças raras, não hereditárias, não contagiosas, que provocam principalmente acometimento dos músculos. Entretanto, a inflamação pode também afetar outros órgãos e sistemas, como a pele, juntas, pulmões, intestino e coração sendo, ainda, de causa desconhecida.
2. Quais os tipos de miopatias autoimunessistêmicas?
São vários tipos, cada uma com características distintas. Desta forma, pode ser dermatomiosite, polimiosite, miosite por corpos de inclusão, miopatia necrosante imunomediada, síndrome antissintetase, inflamação do músculo associada a outros reumatismos, câncer ou uso de algumas medicações.
3. Como se manifestam as miopatias autoimunes sistêmicas?

Podem ser muito diferentes entre si. Entretanto, a presença de fraqueza dos músculos é muito comum entre os pacientes. Essa fraqueza pode acontecer nos braços e pernas, em diferentes intensidades, ou seja, desde uma forma leve até formas mais graves com o paciente totalmente acamado. Ela pode vir de uma forma insidiosa e lenta (semanas a meses) ou de uma forma mais rápida (dias ou algumas semanas). Podem também apresentar fraqueza na musculatura do pescoço, dificuldade para engolir os alimentos e, em casos mais graves, até mesmo fraqueza da musculatura responsável pela respiração. Dependendo da gravidade podem até ter dificuldade para realizar atividades básicas de vida.

Outros sintomas como fadiga, dor ou inflamação nas juntas, febre, manchas ou feridas na pele (mais comum é nas pálpebras e nas juntas das mãos) podem acontecer. Podem acontecer também inflamação nos pulmões, levando ao quadro de falta de ar, tosse. Quando há acometimento do trato digestivo, pode ter dor ou dificuldade para engolir, com sensação do alimento ficar entalado. Importante ressaltar que todos estes sintomas podem acontecer em outras doenças e, portanto, devem ser analisados pelo reumatologista.
4. Como se diagnosticam as miopatias autoimunes sistêmicas?
O diagnóstico destas condições nem sempre é fácil. O reumatologista analisa as queixas referidas pelo paciente, realiza o exame físico com cuidado, pede exames laboratoriais, principalmente enzimas presentes no sangue que traduzem um processo de inflamação do músculo. Um exame chamado eletroneuromiografia pode ser solicitado para checar a existência da inflamação muscular e/ou neurológica, ajudando a identificar se há outras condições que possam causar o quadro clínico. Também pode ser realizada uma ressonância do músculo (geralmente da coxa ou do braço) para esta avaliação. A retirada de um fragmento muscular (biópsia) para análise por vezes é muito importante. Outros exames a depender das queixas e investigação são solicitados. Tomografia do tórax, teste de sopro (função pulmonar), ecocardiograma e endoscopia são alguns deles.
5. Toda fraqueza muscular é uma miopatia autoimune sistêmica?
Não. Devemos atentar que diversas doenças musculares podem imitar as miopatias autoimunes sistêmicas, como asdistrofias musculares (por ex.: distrofia de Duchenne, distrofia de Becker, distrofia muscular de cinturas), miopatias metabólicas (p. ex.: glicogenoses, lipidoses e mitocondriais), miopatias congênitas (por ex.: miopatias nucleares, centronucleares, nemalinas). Essas doenças podem serhereditárias, diferentemente das miopatiasautoimunes sistêmicas. Outras condições também podem levar a envolvimento muscular com fraqueza como infecções, doenças endócrinas, doenças neurológicas, algumas medicações e algumas drogas ilícitas.(por ex. cocaína).
6. Crianças também podem ter miopatias autoimunes sistêmicas?
Sim, embora uma condição rara, as miopatias juvenis podem ocorrer em crianças, habitualmente entre 5 e 15 anos.
7. Como posso fazer para prevenir o surgimento das miopatias autoimunes sistêmicas?
Infelizmente ainda não sabemos como prevenir as miopatias autoimunes. O que se sabe é que pessoas com uma predisposição genética, associado à exposição a algunsfatores ambientais, vão apresentar a miopatia autoimune ao longo da vida. Contudo, há diversos genes e diversos fatores ambientais que já foram associados com o surgimento da miopatia, como tabagismo, poluição, infecções, medicamentos e exposição em excesso ao sol (radiação UV). Assim, fica praticamente impossível prever quem vai apresentar miopatia autoimune ou não. Manter hábitos de vida saudáveis, como boa alimentação, dormir bem praticar regularmente atividade física e evitar exposição ao cigarro é bom para a saúde como um todo, e talvez ajude a prevenir doenças autoimunes, como as miopatias.
8. Miosite tem cura?
Quando falamos de miosites (inflamação dos músculos) causada por infecções, traumas, medicamentos ou câncer o quadro tende a melhorar e os sintomas desaparecerem após a cura da doença ou a retirada da medicação causadora. Dizemos que são quadros autolimitados.
Quando estamos falando de miosite por causas autoimunes sistêmicas costumamos dizer que a cura não existe. Com os tratamentos usados podemos conseguir que a doença não mais manifeste seus sintomas, ficando controlada, como se ela estivesse “dormindo”.
9. É verdade que remédios usados para o tratamento de níveis elevados de colesterol podem causar doença muscular?
Sim, mas atenção! A imensa maioria dos pacientes que usam estas medicações não vão evoluir com nenhuma doença muscular. Porém, alguns pacientes expostos a medicações da classe das estatinas (por ex: sinvastatina) podem desenvolver um tipo de doença muscular rara chamada miopatia necrosante imunomediada que é um subgrupo das miopatias autoimunes sistêmicas.
Usar estas medicações indicadas para o tratamento de níveis elevados de colesterol é de suma importância quando orientado por seu médico, uma vez que o controle destes níveis já mostrou em muitos trabalhos da literatura médica como fundamental para reduzir o risco de derrame cerebral, infarto cardíaco e morte dos pacientes com indicação de uso desses medicamentos.
10. Como as miopatias autoimunes sistêmicas são tratadas?
Se você tem uma miopatia autoimune sistêmica, quase certamente será necessária uma medicação que controle o seu sistema imunológico doente.
O tratamento pode ser feito com corticoides e imunossupressores como prednisona, metotrexato, azatioprina, micofenolato de mofetila e ciclosporina. Dependendo da gravidade da doença é necessário aplicar altas doses de corticoides na veia (“pulsoterapia”), assim como de outras medicações, como ciclofosfamida e imunoglobulina humana intravenosa. Nos casos que não respondem aos tratamentos prévios, torna-se necessário avaliar a possibilidade de usar medicações chamadas biológicas, como rituximabe.
11. Pode chegar o momento em que eu conseguirei ficar sem a medicação imunossupressora?
Sim, a doença pode ficar tão bem controlada que poderá chegar esse momento. Mas sempre será importante manter o acompanhamento médico para reavaliações e retorno à medicação, caso seja novamente necessário.
12. As miopatias autoimunes sistêmica evoluem para câncer?
Importante frisar que são condições distintas. O que ocorre por vezes é que alguns tipos de câncer, juntamente com outras manifestações analisadas pelo oncologista,cursarem com inflamação e fraqueza muscular. Dentro das miopatias autoimunes sistêmicas, a dermatomiosite é o tipo que apresenta a chance maior de cursar com alguns tipos de câncer. Exames de triagem para investigação de câncer são realizados periodicamente nos pacientes com o diagnóstico de dermatomiosite.
13. Quais os cuidados que preciso ter com as manchas cutâneas na dermatomiosite?
Pacientes com dermatomiosite devem evitar exposição ao sol, pois as manchas ou feridas da pele pode pior com a luz solar. Além disso, protetor solar deve ser aplicado a cada 3 horas nas áreas expostas.
14. Eu corro risco maior de infecções?
Sim, infelizmente pacientes com miopatias autoimunes sistêmicas apresentam um risco elevado para apresentar infecções. As principais causas são as manifestações da doença, como feridas na pele e dificuldade na deglutição, que aumentam o risco de infecçõesna pele e no pulmão, por exemplo. Além disso, para o controle da atividade da doença, é necessário utilizar diversos medicamentos imunossupressores, os quais também podem prejudicar a imunidade contra vírus, bactérias e outros micro-organismos. Algumas medidas que os médicos utilizam para prevenir infecções são: controle adequado da doença, vacinas e uso da menor dose possível de imunossupressores e corticoide. Assim, converse com seu médico sobre o seu caso e quais as melhores medidas para você prevenir infecções.
15. A minha alimentação ou vitaminas podem ajudar no tratamento da doença?
Há muitas dietas na moda que prometem curar ou tratar doenças autoimunes. Contudo, não há nenhum estudo científico mostrando que qualquer dieta ou vitamina isolada possa curar ou substituir o tratamento das miopatias. Uma dieta balanceada e equilibrada é boa para a sua saúde de uma forma geral, e pacientes com miopatias são estimulados a comer de forma saudável. O excesso de vitaminas pode fazer mal e reposições em altas doses não são recomendadas por nenhuma sociedade médica de reumatologia do mundo. Fale com o seu médico para saber se você precisa repor alguma vitamina, e converse com um nutricionista para que ele mostre opções saudáveis de alimentação, adequadas para as suas necessidades.
16. Eu posso engravidar sendo portadora de uma miopatia autoimune sistêmica?
Inicialmente você deve conversar com seu médico sobre esse assunto. A doença precisa estar controlada para que a você engravide de forma segura. Além disso alguns medicamentos não podem ser usados na fase de concepção/gestação e precisam ser trocados por outros que sejam seguros nesse período. O mais importante é que a gestação seja planejada.
17. Eu tenho um risco aumentado de desenvolver osteoporose?
Sim, pacientes com miopatias autoimunes sistêmicas além de usarem doses altas de corticoides por um determinado período, o que leva a uma diminuição da densidade mineral óssea, também têm um risco elevado de perda de massa óssea pela limitação funcional com menor mobilidade durante o período de atividade da doença.
18. Posso praticar exercícios físicos?
Sim! Pacientes com miopatias autoimunes sistêmicas são encorajados a praticarexercícios físicos, com a finalidade de melhorar a força muscular, a qualidade de vida, ajudar na diminuição doprocesso inflamatório da doença e na melhora de diversos outros parâmetros. O exercício físico pode ser realizado durante todas as fases da doença, embora os médicos geralmente recomendem iniciar a atividade física quando a doença já saiu da fase aguda (de atividade inflamatória mais intensa), pois a maioria dos estudos foram realizados em pacientes sem sinais de atividade da doença. Converse com o seu médico para saber se você pode realizar atividade física e qual a melhor atividade para o seu caso.
19. O meu exame de sangue da creatinofosfoquinase (CPK) veio elevado. Será que tenho uma miopatia autoimune sistêmica?
Não necessariamente. Embora a creatinofosfoquinase esteja aumentada em muitos casos de miopatias autoimunes sistêmicas, o aumento isolado da creatinofosfoquinase não indica o diagnóstico de miopatia. Há diversas causas para elevação da creatinofosfoquinase, desde doenças endocrinológicas (como doenças da tireoide), infecções (como dengue), medicamentos (como estatinas), e até coisas mais simples, como a prática de atividade física. Além disso, há pacientes com miopatias que podem apresentar creatinofosfoquinase normal, como em alguns casos de dermatomiosite.
Assim, se você possui este exame da creatinofosfoquinase alterado, o ideal é consultar com um reumatologista para investigar a causa.
20. Posso ingerir bebidas alcoólicas?
Algumas medicações usadas para o tratamento da doença têm metabolização no fígado e então não seria recomendada a ingestão de bebidas alcoólicas. Além disso, a própria bebida alcoólica em exagero traz toxicidade ao músculo, o que pode prejudicar o tratamento.
21. Posso tomar a vacina contra o coronavírus?
Sim, pode tomar! As vacinas que são contraindicadas em pacientes em uso de medicamentos imunossupressores são as vacinas de vírus vivos, como a da febre amarela ou o sarampo.
22. Tenho miopatia autoimune sistêmica, devo realizar fisioterapia?
Sim. Além do uso de medicações, o envolvimento muscular em pacientes commiopatias autoimunes sistêmicas pode ser tratado com fisioterapia. A fisioterapia tem como objetivo principal trabalhar os músculos acometidos para que os pacientes melhorem das deficiências causadas pela inflamação muscular, tanto na fase aguda da doença como na fase crônica. Geralmente inclui exercícios que trabalham a resistência e a força muscular. O tratamento fisioterapêutico mais adequado deve ser individualizado e discutido com seu reumatologista e o fisioterapeuta.
FONTE:
Cartilha - Miopatias
Sociedade Brasileira de Reumatologia
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